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Memorial Brumadinho

01/10/2021 - Schayla Jurk

O uso da água e da luz surgem poeticamente numa expressão repleta de simbolismos. O memorial de Brumadinho, no córrego do Feijão, em Brumadinho reverencia as 272 vidas perdidas no rompimento da barragem I, no dia 25 de janeiro de 2019. “A nossa tarefa face à realidade da dor das famílias nos coloca em uma posição de profunda humildade. A voz, a única voz, é a das testemunhas. A narrativa pertence a quem não pode mais falar e àqueles que ficaram no pesar. Não há consolo que possa ser materializado nessas circunstâncias”, explica a equipe do arquiteto Gustavo Penna, responsável pelo projeto do Memorial. Uma proposta de alma, com criatividade e sentimentos exalando em todos os cantos. 




O espaço surge nas montanhas de Minas Gerais como a materialização das memórias de uma tragédia, marcada pela lama numa terra que testemunhou a morte de mais de centenas de pessoas que faziam parte da rotina e da trajetória da Vale. “Resistimos ao apagamento do tempo e da história. Que tragédias assim não se repitam, jamais. Este espaço vai possibilitar uma experiência sensível, individual e compartilhada, com gente que vive um estado de suspensão e sofrimento, dando voz e forma àquilo que não esquecemos. Temos o desafio de moldar um espaço sólido que possa servir de abrigo, evitar o esquecimento da brutalidade da tragédia e ao mesmo tempo possibilitar um ambiente adequado ao luto privado e coletivo. É preciso trabalhar com significados profundos, que gerem reflexão”, destaca a equipe do projeto. É um espaço de símbolos que desperta a memória, valoriza a história e honra de 272 vidas perdidas na lama. 






A entrada do Memorial terá uma forma retorcida, traz a essência do sólido numa versão fragmentada que representa uma força avassaladora invadindo o espaço e expondo a fragilidade humana.  A chegada ao Memorial é um choque. A materialidade dela é um concreto aparente misturado à terra vermelha. No concreto do interior estão incorporadas algumas peças metálicas retiradas dos escombros, testemunhas vindas diretamente do desastre, que agora são ressignificadas, dando sombra e proteção”, explicam os profissionais. Um ambiente de solenidade, escuro que revela um teto de frestas de luz que faz uma alusão ao prédio seno atingindo e apagando o sol. Este espaço prepara para as experiências e sensações no memorial. Aqui “o paradoxo persiste, quando, em meio ao caos, surgem as mãos solidárias que se unem para amenizar a dor: bombeiros, voluntários e tantos outros brasileiros.  A cada dia 25 de janeiro, exatamente às 12:28hs, o facho de luz que não veio, virá a cortar o ar e iluminar uma drusa de cristais, conjunto de joias arranjadas pela natureza. As joias das famílias receberão, assim, a luz que faltou naquele dia. O foyer serve também para conectar algumas funcionalidades do programa de necessidades. Do lado sudoeste está o espaço meditativo/contemplativo”. O espaço é um ambiente que conduz o visitante para um percurso convidativo numa caminhada de lembranças e memórias.





O desafio intenso é de transformar a imaterialidade de sentimentos num espaço tridimensional reflete no papel e na projeção de um futuro memorial tudo aquilo que ocorrei no dia da tragédia, mas sem uma alusão à morte. O ipê amarelo, símbolo da superação, dá a sensação de que a vida continua trazendo a sombra no verão e deixando passar a luz do sol no inverno. As folhas amarelas caídas no chão são uma espécie de rastro de luz. “Eles serão uma manifestação, um culto à memória das vítimas. Quando floridos, eles se contrapõem aos tons terrosos da mineração, trazendo a ideia de vida.  Misturados ao arvoredo original, serão plantados 272 Ipês amarelos, para que cada lamento possa ser ouvido. Uma procissão de esperança, que acolhe gente, percursos e espaços”, destaca a equipe.








 

 A entrega em criar uma estrutura potente que exala a história e a materialidade de um desastre natural com vítimas. É a leveza em contraste com percurso cortado no terreno em direção ao rompimento. O Monumento às vítimas fatais é um trajeto entre nomes e memórias para dar significado à reflexão.  É um percorrer de 230 metros que traduz o luto em diferentes esferas e do momento de superação particular e individual de cada família, amigo, colega e ser humano. “Nas paredes laterais, estão os nomes de cada uma das pessoas que se foram. Elas vão surgindo, uma a uma, na medida em que se caminha, como histórias gravadas nessas superfícies laterais. Após percorrer todos os nomes, o visitante se aproxima do objeto suspenso que se avistava desde o início, elevado sobre as paredes. Logo antes dele, uma inclinação convida ao Espaço de Memórias, onde é possível também fazer uma pausa e descansar do percurso”, revela a equipe de Gustavo Penna.  As paredes enviesadas, as cruvas no teto e o piso são o cenário de projeções mapeadas, gerando uma experiência de impacto. Um verdadeiro álbum de cartas e mensagens dos familiares, criando um ambiente imersivo que reverencia as vidas das pessoas. “No mirante, ao final deste longo percurso, descortina-se a paisagem do vale; uma superfície que foi atingida e tingida pela lama. Oferece-se aqui um espaço contemplativo, flutuando sobre o lago mais abaixo. É um lugar de serenidade, onde o som e a presença da água falam desse movimento de escoar. No horizonte, nasce um novo silêncio, a ideia de continuidade, que olha para o futuro com esperança”. 







Arquitetura


Gustavo Penna, Norberto Bambozzi, Laura Penna, Letícia Carneiro, Alice Flores, Fernanda Tolentino, Henrique Neves, Gabriel de Souza, Eduardo Magalhães, Julia Lins, Larissa Freire, Sávio de Oliveira,  Gustavo Monteiro, Felipe Franco, Mariana Carvalho, Rafaela Rennó, Caio Vieira, Fernanda Freitas, Matheus Welffort, Manoel Belisário. 


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