02/04/2021 - Schayla Jurk
Está
diante dos olhos. Faz parte da paisagem urbana e uma rápida passagem pelas
cidades já traz à tona um cenário de cercas elétricas, arames
farpados, grades no perímetro de praças e gramados, bancos públicos com
larguras inferiores ao recomendado pelas normas de ergonomia, bancos curvados, lanças
em muretas e pedras em áreas livres. Os elementos que caracterizam as técnicas
defensivas estão por toda parte e são critérios para excluir alguns a trazer
conforto para outros.
O
uso do espaço público de maneira hostilizada já estava em pauta nos jornais em
1994. A reportagem da Folha de São Paulo “Cidade cria arquitetura antimendigo” revelava há quase trinta anos a
estratégia de evitar o acesso de todos nos espaços públicos. O repórter Antonio
Rocha Filho destaca na época que “o crescimento do número de moradores de rua em São Paulo –que eram 3.300
em 92 e hoje podem chegar a 4.000- fez surgir uma arquitetura
"antimendigo". Construir prédios sem marquises ou cercá-las com
grades, passar óleo queimado na entrada da loja ou instalar chuveiro que molha
o chão à noite são as inovações para afugentar moradores de rua”.
No
entanto, o conceito de arquitetura hostil surgiu com uma conotação mais
aprofundada e despertou discussões em junho de
2014 quando o repórter Ben Quinn publicou no jornal britânico The Guardian, a matéria originalmente intitulada Anti-homeless spikes are part of a wider phenomenon of 'hostile
Architecture(As pontas de ferro anti-desabrigados são parte de
um fenômeno mais amplo conhecido como "arquitetura hostil"). O assunto
trouxe exemplos cotidianos do desenho urbano no contexto do convívio e a exclusão
de determinados grupos de pessoas em áreas urbanas.
A
cena da hostilidade comum no mundo também faz parte da realidade brasileira. 02
de fevereiro de 2021. O padre Júlio Lancellotti está no viaduto Dom
Luciano Mendes de Almeida, na avenida Salim Farah Maluf, no Tatuapé, Zona Leste
de São Paulo e derruba as pedras embaixo do
viaduto a marretadas. Estes
elementos pontiagudos, colocados pela Prefeitura de São Paulo, evitam que moradores
de rua colocassem colchões neste espaço. A imagem do padre percorreu o país e reacendeu
o debate sobre o conceito da arquitetura hostil.
Diante destes fatos, o Plenário do Senado aprovou, na quarta-feira
dia 31 de março, um projeto que proíbe o uso de arquitetura urbana hostil. A
proposta do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), a PL
488/2021 altera o Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de
2001). O projeto segue agora para a Câmara dos
Deputados.
O fato é que, por enquanto,
os blocos de concreto, rampas de difícil acesso, edifícios
extremamente altos e criam uma ‘eterna’ sombra na praia, um banco de ônibus estreito
demais ou com barreiras para ninguém deitar são elementos que estão no dia a
dia da população e formas de excluir as pessoas de ocuparem certos espaços
públicos. Embora não sejam sempre
tão óbvios, estas barreiras são parte de um
processo de construção das áreas públicas projetadas para interferir no
comportamento das pessoas e muitas vezes só um olhar mais atento percebe a
agressividade.
Fontes:
ArchDaily, Uol, Folha de São Paulo
Fotos:
Pinterest, The Guardian, Casa Vogue
Quer saber mais sobre o assunto? Ouça o podcast no nosso canal NCDcast. O episódio está disponível e traz uma conversa com a arquiteta e urbanista a arquiteta e urbanista Juliana Castro que tem uma longa experiência no campo da arquitetura, paisagismo e projetos para espaços públicos e privados de uso coletivo. O nosso time de especialistas para discutir o assunto tem também o coordenador do curso de arquitetura e urbanismo da Univali, Carlos Barbosa e a jornalista especializazada no segmento de arquitetura e design,Simone Bobsin. Vamos explicar com detalhes a arquitetura hostil e o conceito nos diferentes cenários. Acompanhe!
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