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A Arquitetura do Carnaval

12/02/2021 - Schayla Jurk

O sonho nasce em minha alma
Vai tomando o peito e ganhando jeito
Se eternizando, traduzido em forma
O mais imperfeito, perfeição se torna
Lá no me quintal, eu vou fazer um bangalô
Já foi tapera feita em palha e sapê
E uma capela que a candeia alumiou
A lua cheia…

Vem, é lindo o anoitecer
Vai, eu morro de saudade
Todo mundo um dia sonha ter
Seu cantinho na cidade

Como é linda a vista lá do meu borel
Luzes na colina, meu arranha-céu
Linhas do arquiteto, a vida é construção
Curva-se o concreto, brilha a inspiração

Lágrima desce o morro
Serra que corta a mata
Mata, a pureza no olhar
O rio pede socorro
É terra que o homem maltrata
E meu clamor, abraça o redentor
Pra construir um amanhã melhor
O povo é o alicerce da esperança
O verde beija o mar, a brisa vai soprar
O medo de amar a vida
Paz e alegria vão renascer
Tijuca, faz esse meu sonho acontecer

A minha felicidade, mora nesse lugar
Eu sou favela!!!
O samba no compasso é mutirão de amor
Dignidade não é luxo, nem favor

 

Samba-enredo ‘Onde moram os sonhos’ da Unidos da Tijuca em 2020.




No samba de 2021 um carnaval de isolamento social. A alegoria que fará sucesso neste ano é o cuidado com a saúde coletiva e a alegria está no bloco dos saudáveis. O fato é que o país da folia de fevereiro tem um novo cenário e muito diferente dos tradicionais desfiles, bloquinhos de rua, brilho e confetes. A festa é uma mistura de manifestações e sempre mobilizou os foliões de norte a sul desde o século XVII. O cancelamento das tradicionais aglomerações que expressam a cultura é mais um fato que fará parte do enredo do carnaval no país. 




“Não deixe o Samba Morrer”, gravado no Sambódromo Marquês de Sapucaí no início de 2021



A história do carnaval no Brasil tem um capítulo que cruza com a trajetória de Oscar Niemeyer. O sambódromo do Rio de Janeiro, palco de um patrimônio cultural do país, é a popular Marques de Sapucaí, inaugurada em 1984. O cenário dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro construído em tempo recorde de apenas 3 meses é uma estrutura de concreto, com peças pré-moldadas e 700 metros de comprimento. O projeto de Oscar Niemeyer é considerado uma obra cultural. 





Quanto ao meu trabalho, ele se minimiza diante da grandeza técnica da obra; da atuação exemplar de Darcy Ribeiro, modificando o programa, preocupado como sempre foi com os problemas culturais e artísticos, entre nós, nem sempre bem atendidos, do entusiasmo com que a ela engenheiros e operários se dedicaram abnegadamente. Fiz o que me foi possível dentro de um programa limitado de arquibancadas, de um terreno exíguo demais e um complexo inusual no qual arquibancadas e escolas deveriam se adaptar harmoniosamente. E me esmerei nas estruturas e no Museu do Samba, que com seu grande arco representa o fecho da composição, procurando dar ao projeto aspecto diferente, capaz de criar surpresa e com ela acentuar o sentido monumental e festivo da composição”, declarou Niemeyer sobre a passarela do samba. 





Após quase 40 anos da inauguração da Passarela Professor Darcy Ribeiro as transformações na forma de uso e os avanços tecnológicos trouxeram um novo mecanismo para edificação que abriga um espetáculo que cresce todos os anos em número de componentes e efeitos visuais. “A Passarela Darcy Ribeiro tornou-se uma referência arquitetônica e urbana monumental e corresponde, mesmo sem a festa do carnaval, ao símbolo deste, pois seu espaço, seus módulos de arquibancadas e seu arco de concreto marcam a paisagem e lembram a todos que ali é o lugar da festa, no Rio de Janeiro”, explica o professor Doutor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da  Universidade Federal Fluminense, Guilherme Araujo de Figureiredo. Uma proposta que altera a base arquitetônica de 1984, mas preserva os pilares deste monumento estrutural da capital carioca. Há quatro décadas o projeto trazia uma alternativa para um espaço pequeno com múltiplas funções. "No que concerne a arquitetura, o mais importante foi, primeiro, encontrar uma solução inusitada para a integração das salas de aula e das tribunas. Uma solução simples e funcional com o objetivo de não comprometer a unidade. Em seguida, dar ao conjunto um sentido plástico, inovador, qualquer coisa capaz de marcá-lo como o novo símbolo dessa cidade. Isso explica o Museu do Samba, o painel de Marianne Peretti, os mosaicos de Athos Bulcão, o grande arco, esbelto e elegante, lançado no espaço como o concreto armado permite. E tudo isto conferiu à Praça da Apoteose, que os grandes espaços tornam monumental, uma nova dimensão arquitetônica, e esse nível de bom gosto, fantasia e invenção inerente a toda obra de arte”, relatou Niemeyer.

 



Desenho do Sambódromo da Marquês da Sapucaí em 2021


No artigo Oscar Niemeyer e a construção do monumento ao carnaval carioca: 30 anos do programa arquitetônico da Passarela Professor Darcy Ribeiro, Figuereido reforça a importância das mudanças na estrutura para atender as novas necessidades dos desfiles das escolas de samba. “O carnaval e suas formas de manifestação se reciclaram e se transformaram, sempre em função da sociedade e muito em função dos espaços que ocuparam”, destaca Figuereido.




Sambódromo da Marquês da Sapucaí em 2021 



No entanto, além da estrutura física o carnaval tem novas formas que incluem profissionais de todas as categorias neste enredo. A tecnologia dos carros alegóricos e a logística dos barracões inseriu especialistas neste cenário. O arquiteto surgiu como personagem principal da Unidos da Tijuca no Carnaval de 2020. O anúncio do Rio de Janeiro como sede do Congresso Mundial de Arquitetos trouxe a inspiração para os carnavalescos Paulo Barros, Isabel Azevedo, Ana Paula Trindade e Simone Martins  criarem um enredo sobre a arquitetura e o urbanismo. 




 “Ao realizar o seu trabalho, os arquitetos deixam registros que nos ajudam a compreender a nossa história. Templos, castelos, monumentos, casas, prédios, conjuntos habitacionais, parques, praças, ruas e avenidas revelam a contribuição de uma das mais antigas profissões”, declaram os responsáveis pela escola em texto divulgado oficialmente.





Além da homenagem, a escola também trouxe para avenida questões como a preservação de patrimônios e os conhecimentos ancestrais da profissão. O desfile ‘Onde moram os sonhos’, com samba assinado por Dudu Nobre, Totonho, André Diniz, Fadico, Jorge Aragão dividido em quatro setores discutiu os vários pontos e olhares para a profissão. 










Aliás, a arquitetura ultrapassa as fronteiras de enredo de escola de samba e está inserido diretamente na logística dos barracões. A partir do momento em que os carros alegóricos surgiram com ênfase nos sambódromos a importância dos profissionais especializados conquistou um papel fundamental para a segurança e estética.  Os primeiros registros de carros alegóricos são de 1786 quando o militar e artista Antônio Francisco Soares projetou e construiu os primeiros modelos movidos à tração animal. Séculos depois a tecnologia incorporou o arquiteto neste cenário e uniu o profissionalismo com o talento dos moradores das comunidades em que surgiram as escolas. 



Projeto de carro alegórico 



A arquiteta americana Gia Wolf, desenvolveu um estudo sobre a relação do funcionamento da performance e o uso do espaço para transmitir narrativas, formas e emoções. No projeto “Floating City: The Community-Based Architecture of Parade Floats”, Gia aborda a arquitetura baseada na comunidade de carros alegóricos de desfile. Com o estudo a arquiteta conquistou o prêmio do concurso Wheelwright Prize. Gia descreve no artigo que “o carro transforma a cidade. Sua escala faz ruas externas em salas interiores de teatro.





“Os carros alegóricos têm uma escala arquitetônica e é muito surreal a relação entre eles e os prédios, os veículos, as árvores, a fiação, o viaduto, os pedestres… Eles são realmente construções móveis se movimentando pela cidade, que sofre uma transformação na sua atmosfera para o carnaval”, declarou a arquiteta Gia Wolff quando esteve no Rio de Janeiro em 2015 e participou da reportagem do jornal ‘O Globo’.




Além disso, os arquitetos atuam dentro dos barracões com a logística e processo de criação de todo enredo de carnaval. Os croquis, maquetes e desenhos técnicos de carros alegóricos, soluções arquitetônicas de uso dos espaços e matéria-prima e também aprimoramento de execução dos projetos estão no escopo dos arquitetos como Monclair Oliveira Filho, que já trabalhou na ‘Porto da Pedra’ e ‘Grande Rio’ e Alexandre Louzada que é o único carnavalesco campeão do carnaval carioca em quatro grandes escolas de samba diferentes.




Barracão do Salgueiro 



Barracão do Salgueiro 



Barracão da Mangueira 



É assim que a folia ganha os contornos da arquitetura e transforma o carnaval do Brasil no maior espetáculo do mundo e eleito o Favorite Event Around the Globe.  





Fontes:

Site: niemeyer.org.br

Artigo: Oscar Niemeyer e a construção do monumento ao carnaval carioca: 30 anos do programa arquitetônico da Passarela Professor Darcy Ribeiro

Artigo: Floating City: The Community -Based Architecture of Parede Floats 

Jornal O Globo

 

Fotos:

carnavalesco.com.br 

super.abril.com.br

salgueiro.com.br

diariodorio.com.br

 

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